O cepticismo europeu e as consequências políticas

O território que sustenta a Europa que somos testemunha experiências políticas diversificadas e explicadas pela história que todos conhecemos – ao nível do pensamento, na gestão do espaço público, na acção política, na procura ideológica, no uso de uma língua dominante, na troca de moeda comum, no uso de vias de comunicação.

Este enquadramento já se verificava em sede do império romano que governou cerca de 50 milhões de “cidadãos romanos” a partir de uma grande metrópole, Roma.

Encontramos agora com sede em Bruxelas, mais de dois mil anos depois, um novo império nascido das cinzas da guerra, preciso que foi relançar os países cruciais para um novo paradigma de “desenvolvimento” social e económico.

E esta Europa reuniu há dias na nossa cidade do Porto que, à semelhança da Cimeira de Lisboa, anunciou novos mundos ao mundo, mesmo perante a evidência da liderança mundial perdida para a China e a Ásia. Tecnocratas bem intencionados e melhor pagos confundem liderança política com gestão orçamental, anunciando bazucas de dinheiro fazendo lembrar Júlio César – o imperador – que além de nos lembrar (no seu tempo) que todos eramos romanos, também lhe deveríamos pagamento. Hoje a Europa aí está com a bazuca e a seguir pedirá a cobrança, garantindo que em caso de nova calamidade aqui estará para nos “proteger” (a Europa social) e a seguir cobrar.

A história recorda-nos que, já na altura do império de Roma, a gestão da coisa pública era “complexa” pois a fome e a pobreza provocava rebeliões entre povos muito diversos, e havia mesmo alguns que pegavam em armas para contestar a presença do poder estranho (porque estrangeiro) resistindo ainda hoje nesta Europa (sim) povos que mantêm a luta em aberto.

Nasceu assim a necessidade política de “trabalhar para a unidade” de modo a garantir o poder de Roma. Uma língua comum, o latim, uma religião única (catolicismo) e uma lei comum (o direito romano). E assim a Europa conheceu a sua primeira formatação “comunitária” demolida mais tarde pelos do costume: a economia das pessoas e das cidades, a manifestação/libertação das línguas entretanto caladas, e o interesse da afirmação individual e colectiva dos povos que impuseram a economia das nações.

A terra move-se, o tempo corre, a liberdade respira nas aspirações dos povos – foi com estes acontecimentos que se construiu a “cultura europeia” e é nesse campo que projectamos o futuro e percebemos as conquistas e derrotas do passado. Hoje cabe-nos viver numa “sociedade aberta” que conhece os seus inimigos, mas, paradoxalmente se manifesta pouco preocupada com eles, sobretudo indiferente a mais de dois mil anos de experiências trocadas de índole cultural construídas na base do humanismo.

Aceitamos uma língua comum (o inglês) adoptamos uma nova religião (o indiferentismo), mantemos o direito (positivo) e gerimos uma moeda comum (o euro). Tudo servido como ementa de sucesso, índices de conforto (globais) num mundo cada vez mais curto, porque tudo mais próximo. Uma ilusão servida diariamente e mantida com o crescimento exponencial da dívida pública que o poder toma por nós e hipoteca – irremediavelmente?- o futuro dos nossos filhos e netos.

O iceberg da dívida acrescido da ilusão (vendida) da dispensabilidade das ideias (cultura) orienta-nos para um embate contra uma parede ainda indefinido mas previsível – caminhamos para um retrocesso civilizacional.

A Europa que somos hoje foi construída por humanistas de referência que teceram as linhas dos nossos regimes democráticos, garantindo o funcionamento da sociedade aberta e plural. Uma sociedade hoje absolutamente indiferente ao sentido da história, ocupada no consumo do assunto do dia e incapaz de perceber o valor de viver em liberdade.

Precisamos todos de estar atentos às notícias que nos chegam de França!