Descentralização – uma visão comparada

A história revela-nos ter sido no crescente fértil, que se iniciou a eleição de chefes tribais, através de diversos rituais que testavam a liderança. Antes da revolução agrária, a estrutura social baseava-se numa sociedade descentralizada, na qual as interações entre os indivíduos eram mais livres e cuja estrutura hierárquica era limitada.

Emergiram impérios que, devido à necessidade de proteção armada tornaram-se institucionalizados em grupos políticos e religiosos. Desenvolveu-se a hierarquia social baseada na inevitável propriedade, dando origem à classe dominante e às massas.

A centralização política incita a atrofia dos sistemas socio-organizacionais induzindo as pessoas ao desinteresse e pela apatia cívica. O abuso de poder central dos tempos atuais chega ao ponto de nomear candidatos, que são muitas vezes deslocados dos distritos onde nascem e vivem, para representar distritos que desconhecem.

Esta excessiva partidocracia, que tão bem se viu refletida nas últimas eleições, tem-se vindo a instalar sob a suposição de que a liderança superior visa ir ao encontro dos interesses das pessoas.

Entretanto, a realidade histórica demonstra que formas hipercentralizadas de governação acabam como formas de autocracia de liderança.

Á medida que os sistemas centralizados se desenvolvem as decisões são tomadas no topo para afetar todos os assuntos na base da pirâmide.

Uma redução no nível da eficiência é experimentada até a uma total desconexão, que resulta em ressentimento e abstenção por parte dos subordinados. Toda a deliberação quando esmagadora e oligárquica acaba, irremediavelmente, em diminuição da qualidade.

Inúmeros exemplos existem para ilustrar a importância da descentralização como processo que distribui, delegando a tomada de decisão e o planeamento de responsabilidade.

Este agitado e perturbador tema mexe com interesses ao propor uma forma diferente de distribuição de poder num processo em que existe quem ganhe e quem perca. Na grande maioria dos países europeus, este problema está resolvido.

Portugal, mais 40 anos depois da Constituição da República prever a criação de regiões, encontra-se controlado por uma cultura dominante claramente conservadora e retrógrada e por essa circunstância continua um dos países mais centralizados da União Europeia.

A intensa concentração nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto tem-se mesmo agravado nos últimos anos devido ao desinvestimento na periferia e, consequentemente, levando ao desperdício das condições endógenas e desertificação. A administração local representa apenas 12% da despesa pública total, de resto um valor ao nível da década de 1990 e o sexto mais baixo entre os 28 países da União Europeia.

Em 2016, último ano do qual possuímos dados, mais de 60% das vendas a entidades públicas foram realizadas por empresas da área metropolitana de Lisboa. Estas empresas são as principais fornecedoras do Estado, agravando este ávido fenómeno de centralização na capital.

Um estudo de 2019 da Marktest constata que 50% do poder de compra do continente concentra-se em 26 municípios representando 6% do território nacional.

O aumento das receitas dos municípios através da consequente transferência da responsabilidade de receitas do Governo central para a administração local constitui um importante instrumento para o aumento da resiliência a choques externos e para a operacionalização de estratégias de desenvolvimento económico.

A administração local é o nível mais próximo do cidadão quer através das autarquias quer das freguesias. A tendência natural das populações é unirem-se perante um problema ou objetivo comum, mas a distância dissuasora aos centros de decisão afasta-as dos problemas, cujas respostas tornam-se lentas e ineficazes.

A descentralização seria incompreensível se o seu principal propósito não fosse associável a um maior crescimento económico e social; a um proporcionar de uma distribuição geográfica mais equilibrada, quer das entidades públicas quer das empresas fornecedoras do Estado e finalmente a um impulsionar de uma maior independência do poder político e económico.

A deslocação das entidades reguladoras para fora de Lisboa, planeada em duas ou três legislaturas pode promover uma maior competitividade da economia e um melhor funcionamento dos mercados de todo o território nacional.

Comparativamente com os outros estados-membros observa-se uma correlação positiva entre descentralização e, não só fatores de capital económico mas também de capital social ou cultura. A cooperação descentralizada, ou o empowerment, promove o envolvimento das pessoas no bem comum. Segundo Aristóteles: ‘Só uma cidadania ativa equivale à participação dos cidadãos numa comunidade’.

Alexandre Herculano, no seculo XIX, via a centralização como sinónimo de tirania chegando a propor uma solução apoiada nos municípios pela qual seriam transferidos poderes de decisão, até aí pertencentes a órgãos de Estado, para órgãos independentes.

Enquanto a regionalização se refere a um processo de natureza política que dá lugar à criação de instituições autónomas, a descentralização, por sua vez, através da atribuição de novas competências, às já existentes autarquias, aproxima os centros de decisão à economia real; perfeiçoa a lógica do aproveitamento dos recursos endógenos, à atividades económica, à atração do investimento e à partilha de conhecimento.

O incentivo fiscal dirigido às empresas pode ajudar, mas é preciso uma descentralização determinante e planeada a longo-prazo.

Quando em 1986 entrou na União Europeia o Norte de Portugal e a Galiza tinham uma situação equiparada em termos de produtividade e criação de riqueza. Depois de 33 anos vai bem à frente a região da Galiza. Identicamente, a Madeira e os Açores apresentam um ritmo de crescimento claramente associado à descentralização que foi implementada ao longo de um extenso período.

A centralização traduz-se numa inadequada política de serviços públicos com um efeito negativo no crescimento económico e é inadmissível quando tanto fazemos para convergir com os outros países da União Europeia.

Gonçalo Sampaio e Melo – Psicólogo, residente em Caminha