Cantores poetas e estórias de Abril

“Traz outro amigo também “
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É teu amigo também…
(Poema de José Afonso. 1970)
“As portas que Abril abriu” 
Era uma vez um país onde
entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra…
(Poema de Ary dos Santos. 1975)

O golpe de estado do dia 25 de abril de 1974 é difícil de descrever tal foi a intensidade de sentimentos e rapidamente se transformou numa revolução pacífica.

Esta crónica dedico-a especialmente aos mais novos para lhes despertar a curiosidade em conhecerem e compreenderem melhor as grandes alterações que ocorreram com a chamada revolução dos cravos. Dos cravos porque uma vendedora no local começou a distribuir cravos aos soldados e estes enfiavam-nos no cano das espingardas e os civis as punham-nos ao peito.

 

A revolução dos cravos foi um acontecimento nacional e teve ressonância mundial. Este golpe de estado do Movimento das Forças Armadas (MFA) foi precipitado pela manutenção de uma guerra colonial, que condicionou o País e a juventude das décadas de 60 e 70, com custos materiais e humanos pesados, porque não tinha solução militar, mas só politica.

O Povo soube libertar-se deste regime autoritário e da sua policia politica que prendia, torturava e ás vezes matava (PIDE) e que durava há mais de 40 anos e iniciou a terceira vaga do processo de democratização na Europa, que incluiu a Grécia (julho.1974) e a Espanha (novembro.1976), que foram influenciados pelo percurso da transição portuguesa.

 

Onde estava eu no 25 de Abril?… a estudar em Coimbra e vivia numa residência de estudantes e quando soubemos, pelas emissões da Rádio, começámos logo num alvoroço, a cantar, a gritar, e a comentar os escassos comunicados do MFA tal era a nossa alegria… que não sabíamos explicar! Como eramos todos jovens dos 17-20 anos, estávamos receosos de sermos incorporados para a Guerra Colonial em Africa, pois já havia milhares de jovens refratários, desertores e faltosos que tentavam não se incorporados e escapar com medo da guerra.

 

A sua queda do Regime parecia ser surreal por ser fácil demais e em menos de 24 horas tornou-se irreversível. Hora a hora, dia a dia o Regime caía como um baralho de cartas com a adesão espontânea da população a apoiar o MFA e os seus Militares. Alguns saudosistas do passado chamaram-lhe Abrilada porque a queriam ver gorada, pese embora vivêssemos todos num País de pobres que nas décadas de sessenta e setenta tinha uma forte emigração ilegal, a salto, para a Europa, sobretudo para a França. Havia muitos desertores á guerra colonial; mortos, cujo numero ninguém sabia; viúvas sem meios e com filhos menores; doentes e estropiados dos combates contra os movimentos armados que lutavam pela autodeterminação. O assassinato do General Humberto Delgado pela PIDE em Olivença.1965; os poemas e as cantigas de intervenção e protesto em discos e cassetes; as emissões da Rádio Portugal Livre-Bucareste e da Rádio Voz da Liberdade-Argel que se ouviam clandestinamente e outras publicações lançaram as sementes para a Liberdade.

 

No dia 24 de abril de 1974, pelas 22 horas e 55 minutos, os Emissores Associados de Lisboa davam a 1.ª senha, com a canção de Paulo de Carvalho “E DEPOIS DO ADEUS” para o arranque do Movimento das Forças Armadas que tinha por missão libertar Portugal do regime totalitário em que estava mergulhado há 41 anos! A 2.ª senha para o Movimento foi emitida com a canção do Zeca Afonso (O QUE FAZ FALTA).

 

Hoje passados 47 anos, é mais que justo lembrarmos os Capitães e os Cantores e Poetas de Abril que nos deram animo e esperança de um dia sermos livres e vivermos numa sociedade mais participativa e justa e que se imortalizaram no nosso imaginário e no de outras nações.

Vou de propósito publicar esta crónica no mesmo dia em que se difundiu a senha do golpe de estado para no dia seguinte o Capitão Salgueiro Maia, com a sua coluna de blindados, vinda de Santarém, ter cercado os ministérios no Terreiro do Paço em Lisboa. E depois avançado para o Quartel do Carmo (onde estava refugiado o Prof. Marcelo Caetano, Presidente do Conselho de Ministros) sob as ordens do Major Otelo de Carvalho, que planeou e comandou as operações deste golpe de estado. Sem apoios acabou por apresentar a rendição do Regime ao General Spínola e dali saiu sob escolta militar do Capitão Salgueiro Maia em direção ao exílio no Brasil. Marcelo Caetano (1969-1974) tinha tentado as ternurentas “conversas em família” na RTP, que eram uma série de reflexões explicando as políticas do Estado Novo, mas com pouca clarividência e sem empatia no Povo e nos Militares.

 

É justo lembrar também os grandes poetas progressistas que ajudaram a criar novos conceitos para a liberdade como Ary dos Santos, António Gedeão, José Afonso, Manuel Alegre, José Letria, Sérgio Godinho, José Fanha, José M. Branco, Adriano C. Oliveira, Carlos Fausto, Fernando A. Pacheco, Sophia M. Breyner, Jorge de Sena, entre outros.

Como amigo do saber (philo sophia) e da arte de versejar tenho o maior respeito e gosto em reler as simbologias estróficas e sentir a carga emotiva destes Poetas de Abril sobretudo cantadas. A minha singela homenagem pela coragem de terem posto a nu as entropias do Estado Novo incapaz de se autorregenerar. Bem cantava José Mário Branco em 1975 “a cantiga é uma arma” e foi mesmo para mudar as mentalidades!     

As duas canções usadas como senha para o arranque da Revolução de 25 de Abril:

Manuel Correia. Vive em Bragança. Mestre Extensão e Desenvolvimento Rural. UTAD-Vila Real. Licenciado Humanidades. U.C-Faculdade Filosofia Braga. Bacharel Engenharia Agrária(ERAC) ESA Coimbra. Trabalhou no Instituto da Conservação da Natureza e Florestas.