O tio Joaquim e a pilinha do senhor abade

O tio Joaquim e a pilinha do senhor abade

O pobre do Marcelo  disse que numa população de milhões, 400 casos de pedofilia na igreja portuguesa é coisa pouca e a imprensa e os partidos caíram-lhe em cima por  estar a “desvalorizar” o crime da pedofilia – coisa que pelos jornais  – sabemos – apenas se verifica nesta instituição, anterior à nossa nacionalidade, baseada na experiência vivida por um tal Jesus que não sendo treinador de futebol gostava de passar as tardes com Maria Madalena.

Esta senhora que experimentou as bocas do povo, por razões conhecidas, foi a primeira pessoa a abeirar-se do túmulo deste judeu para perfumar  o corpo, nas despedidas de última hora. Era o gesto mais nobre que se podia ter, de acordo com os costumes e tradição da época, para que o morto tivesse as honras do reconhecimento de quem dele nunca se esqueceu nem se esqueceria.

Dizem-me que a boa memória é a primeira etapa da ressurreição, coisa que o mesmo morto tinha repetido junto dos seus, quando com eles se reunia para partilhar o pão e o vinho numa mesa como sinal de encontro e reconstrução.

Atordoado com estas novidades, fui falar com o meu amigo Joaquim, a Famalicão. Nos seus olhos azuis encontro sempre a lucidez e a sabedoria das coisas e na fumaça do “português suave” o ritmo da conversa que é sempre longa e tranquila:

Conversa entre amigos

. Tio Joaquim, esta coisa da pedofilia…

. Do caraças, nunca conhecemos as pessoas!

. Ai é?

. São como as cebolas, descascas, descascas … e no fim não tens nada nas mãos, só lágrimas nos olhos!

. Se calhar; olhe, nunca tinha pensado nisso;

. Olha que é, ainda por cima os homens, há tantos mafarricos.

. Vá lá, a dignidade das pessoas é sempre a mesma, homens e mulheres são pessoas.

. Sim, mas só os homens têm pila!

. Lá vamos nós cair na conversa do género!

. Não sei o que é isso; há pessoas, homens e mulheres, e já chega para haver confusão.

. Mas homens e mulheres são diferentes em tudo;

. Talvez, mas neste assunto temos de falar de nós, os homens e de facto há um problema,

. Qual?

. Um problema de cabeça, os homens têm duas!

. Oh diabo, duas?

. Pois é, tens de perceber com qual delas eles pensam!

Intervalo com cigarro

Pedi um cigarro para mim, queria garantir um intervalo na conversa e contei as castanhas  prontas a comer. Apanhei duas e partilhei com o tio Joaquim até porque estava na casa dele e as castanhas tinham (têm) dono!

. Oh tio Joaquim, o que quer dizer com isso?

. Querido amigo, quando um homem pensa com a cabeça da pila está perdido! Nunca mais se safa! Tanta desgraça por aí.

. Mas é a natureza, criados à imagem e semelhança de Deus!, porra!

. Pois é, Ele não tem nada a ver com isso, coitado, fez-nos com pila para experimentarmos o caminho do céu. Ele fez bem!

. Mas nós estragamos tudo, é isso?!

. Às vezes;

Segundo intervalo

Esta coisa do “caminho do céu” pôs-me outra vez a comer castanhas. Oportunidade para respirar fundo e olhar para a coisa, quero dizer, a sexualidade como caminho de afirmação da pessoa e a partilha que ela permite na experimentação da vida.

O tio Joaquim percebeu que eu estava entalado com os meus botões e retomou a conversa:

. Não penses muito que queimas os fusíveis. O que eu quero dizer é que foder é bom, percebes, mas temos de saber o que andamos aqui a fazer!

. Estou a ver.

. Primeiro tens de gostar das pessoas, perceber com quem queres estar, e deixar cair os dias. Acabamos sempre por encontrar quem queira caminhar junto, percebes?

. Caminhar junto?

. Isso, nos dias de sol e de chuva, de frio e calor, de dia e de noite e vais ver que a vida te dará castanhas, muitas castanhas!

. Vai mais uma?

. Nah, agora fuma comigo mais um cigarro e deixa correr, bebes um copo?

. Oh tio Joaquim, agora não, mais tarde, pode ser?

. Olha que o “fruto da videira” faz milagres, alivia a cabeça de cima e ajuda-nos a pensar melhor! Bebe um copo, rapaz, vais ver que a coisa melhora.

. Mas oh tio Joaquim, eu vim aqui falar consigo hoje por causa da pedofilia na Igreja….

. Dos padres, queres dizer;

. Sim dos padres, ando abananado, não encaixa na minha caximónia uma coisa dessas, só pode ser coisa do diabo, mas eu não acredito nele. Está a ver a minha confusão?

. Não é pequena, não é pequena…. Sabes, cada um é que sabe onde mete a pila. Mas há quem mereça que lha corte. Se um cabrão desses se metesse com um neto meu, partia-o todo e ainda lhe dava um banho em água raz. Fodia-o mesmo!

. Sim, mas um padre?

. Nem eu percebo. Esses gajos são funcionários do altar. Apenas isso. Não acredito que tenham fé. Olha, são como os políticos quando chegam ao poder; vê-se logo que a democracia deles é especial e não tem nada a ver com as mamas da República, onde todos deviam poder mamar!

. Como os políticos?

. Sim, como os políticos que não acreditam na democracia, como os militares que não acreditam na guerra e, claro, como os padres que não têm fé. São todos funcionários do dever (e isto não tem nada a ver com pagar dívidas!). Há que fazer pela vida!

. Mas acho que a pedofilia dos padres é mais grave que a dos políticos, dos militares e da outra gente toda.

. Porque deles esperas mais

. Espero mais?

. Ouve, quando o avançado do teu Freamunde falha um penalty tu deixas de gostar do clube?

. Eu, não!

. Então o que querias sentir com o falhanço dos teus padres?

. Para já uma vergonha muito grande e nem sei o que diga mais…

. E não vale muito a pena bater no ceguinho. Filhos da puta sempre os teremos, aqui e no reino dos céus – porque o teu Deus lhes perdoa. E no inferno, espero, que também. Mas agora é tempo de olhar para o dia de amanhã, percebes? O sol vai voltar a nascer, a chuva a cair. E enquanto houver pila – graças a Deus que há – há-de haver alegria em Portugal. Olha e que seja no sítio certo com a companhia ideal, ouviste?

. O tio Joaquim sabe muito…

. São 85 anos a sentir o perfume do vento, a escolher as cores do céu. Sim porque na minha idade quem escolhe sou eu. Antes era a tia Maria que Deus tem, mas agora, sózinho, vale-me a conversa com os amigos, como esta que nos mantém vivos.

. Ainda bem. Olhe ainda não perguntei, e essa saúde?

. Ao longo dos anos fui perdendo peças, mas tudo encaixa. Sinto a falta da minha Maria, sabes?

. Acredito

. Antes de morrer disse-me para arranjar companhia que “um homem não deve estar sózinho”. E que ficaria contente se eu arranjasse uma mulher para me aturar! Era fina como o alho e sabia prevenir tempestades.

. Mas o senhor não foi nessa!

. Claro que não, a minha pila está a 50% , agora só dá para mijar.

. Agora deu-me um nó cego, tio Joaquim, vamos lá beber um copo e haja saúde da boa!

Conclusão

E assim terminou a minha conversa com o tio Joaquim. Saio dela mais atento às coisas pequenas da vida, para as quais ele orienta a minha visão: nelas encontramos segredos simples que nos ajudam na decisão e sobretudo a fazer o caminho que nos permite optar entre o bem e o mal. Mas o que é o bem e o mal? Um dia destes volto a Famalicão para perguntar ao tio Joaquim.

 

Por Arnaldo Meireles

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O tio Joaquim e a pilinha do senhor abade

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