O direito dos animais em tempos de guerra

A dinâmica de submissão dos animais se deu de forma progressiva, e vem se desenvolvendo acerca de aproximadamente seis mil anos

Suricato em cima de um tronco de árvore

O direito dos naimais em tempo de guerra – A atuação humana no que se refere ao trato com os animais passou por severas transformações no decurso do tempo. A dinâmica de submissão dos animais se deu de forma progressiva, e vem-se desenvolvendo acerca de aproximadamente seis mil anos, quando o homem presunçosamente achou que poderia usá-los como alimento, vestuário, transporte, etc. tratando-os como coisas passíveis de apropriação, incutidos de valia econômica.

Todavia, Sebástien Kiwonghi Bizawu e Émilien Vilas Boas Reis enfatizam que o planeta, o solo, a água, o ar e seres vivos clamam o mal que os homens, pecadores, segundo a tradição cristã, têm provocado a ele. E assim, é possível se verificar um diálogo, não só restrito aos religiosos, como os católicos ou cristãos, mas amplamente, com todo gênero humano (REIS; BIZAWU, 2015, p. 37).

Nessa perspectiva, Sébastien Kiwonghi e Pedro Silva alertam que:

…] a objetificação do animal ignora, em medidas absolutas, as características de sensibilidade. Ou seja, pouco importa a capacidade de sentir dor, medo, alegria, ciúmes e agitação – sentimentos e emoções comuns ao homo sapiens. A ética humana encontra seus limites na capacidade de raciocinar que, aparentemente, falta aos animais (BIZAWU; DA SILVA, 2019, p. 36).

A visão que temos dos animais

Desse modo, a visão acerca dos animais, transcendeu a objetificação, a ponto de atualmente serem considerados sujeitos de direito. Assim, Vicente de Paula Ataíde Junior, defini Direito Animal, do ponto de vista dogmático como “o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ecológica, econômica ou científica.” Ou seja, uma norma jurídica só pode ser considerada de Direito Animal quando for capaz de trazer aos animais o devido protagonismo de sujeitos de direitos subjetivos.

Apesar de toda a evolução atualmente vista em direção a defesa dos direitos dos animais, é necessário se falar de uma situação tão crítica que flexibiliza direitos humanos quiçá direitos animais. Nessa direção, se buscará tracejar alguns pontos acerca do direito dos animais em tempos de guerra.

Na primeira guerra mundial

Num panorama de Primeira Guerra Mundial, segundo um relatório de 2014, cerca de 9 milhões de animais morreram. O mais triste é que muitos foram obrigados entrar nas batalhas como parte dos esforços de guerra, bilateralmente. Como exemplo dos animais utilizados estavam os pombos-correios, falcões, canários, cães, cavalos, mulas, burros e gatos. Alguns usados para levar correspondências, outros para farejar bombas, levar alimentos e até mesmo para retirar os ratos de trincheiras e navios. Diversos relatos da Primeira Guerra descrevem os animais como heróis involuntários, todavia, quase ninguém questiona a barbárie de tal prática (NEVES, 2018, p.44).

Na segunda guerra mundial

Não foi diferente na Segunda Guerra Mundial. Em 1939, na Grã-Bretanha, apenas em uma semana, aproximadamente 750.000 animais domésticos foram mortos. Uma orientação emitida pelo governo britânico dizia que os animais “não-essenciais”, sem exceção, deveriam ser aniquilados, já que indubitavelmente se tornariam um obstáculo aos esforços da nação. Tal óbice se daria em razão do racionamento instituído pelo governo, que, portanto, seria incapaz de acomodar e alimentar os animais. Assim, seus donos os mataram em massa. Aqueles que não tinham coragem de fazê-lo, os abandonaram nas ruas à mercê da própria sorte (NEVES, 2018, p.46).

Os animais de zoológico também foram mortos ou passaram fome durante a Segunda Guerra Mundial. No livro Japanese Wartime Zoo Policy: The Silent Victims of World War II (em português, “Política japonesa para animais em tempo de guerra: As vítimas silenciosas da Segunda Guerra Mundial”), Mayumi Itoh explica que talvez nenhum outro país tenha sido tão adepto ao extermínio de animais raros e mesmo os ameaçados de extinção (NEVES, 2018 p.49).

A guerra do Golfo

A Guerra do Golfo, que normalmente não é vista como longa ou particularmente destrutiva (obviamente por aqueles de fora do Oriente Médio), também fez vítimas em grande parte da população animal da região. Mortes, que começaram antes mesmo de se iniciar a guerra, quando os EUA e seus aliados bombardearam beduínos nativos que caminhavam pelo deserto (NEVES,2018, p.52)

O caos permaneceu durante a guerra, grupos nativos do deserto foram continuamente bombardeados e seus lares destruídos por carros militares. Animais marítimos e aves sofreram com os derramamentos de óleo no Golfo e com a liberação de fumaça tóxica no ar, ademais com os grandes incêndios. Assim como na Segunda Guerra Mundial, os animais de zoológicos tiveram destinos terríveis, uma boa parte foi violentamente torturada pelo exército do Iraque (NEVES, 2018, p.53)

A que se destacar ainda, o amplo uso de Cães pelos exércitos americano e britânico nas guerras contemporâneas no Oriente Médio. No Afeganistão e no Iraque, os cães foram primeiramente usados na localização de bombas em estradas. Os cães farejadores são tão valiosos para os exércitos que, existem diversas instalações voltadas ao aperfeiçoamento de animais para essa destinação. Esses animais servem aos exércitos por até dez anos — visto que a maioria deles terminam com síndrome canina de estresse pós-traumático, caso sobrevivam (NEVES, 2018, p.53).

Apesar do estreitamento de laços entre cachorros e seus criadores humanos, muitos desses humanos não se importam em continuar arriscando as vidas de novos cães mesmo depois de testemunhar as mortes violentas de seus supostos parceiros.

Assim como, em muitas catástrofes de guerra involuntárias, os cães não morrem apenas em combate. No ano de 2011, catorze deles perderam a vida em uma caminhonete sem adequada ventilação, em Houston, no Texas, enquanto esperavam o transporte para o Afeganistão. Todos haviam sido criados e treinados para situações de risco, mas morreram antes mesmo de iniciarem sua trajetória (NEVES, 2018, p.55).

O sofrimento dos animais

O fator humano da tragédia é nefasto, todavia os animais são submetidos ao mesmo sofrimento. Não se pode sequer imaginar quão complexa foi a devastação para os animais em guerra, tais como a do Vietnã, onde os efeitos do agente laranja e das minas enterradas ainda são latentes (NEVES, 2018, p.56).

Para os animais, não há planeamento, não há esconderijo e, portanto, não é possível escapar do horror da guerra humana. Muito embora pessoas tenham pouca voz nas guerras, os animais não têm nenhuma.

Eles devem conviver com a devastação causada pelos homens sem protestar. O que é mais abominável, é que as retrospectivas acerca dos animais em tempos de guerra

tradicionalmente se limitam às suas contribuições. Praticamente inexistindo críticas a respeito de seus assassinos humanos.

Para os que realmente se importam com os animais, é preciso a adoção de uma postura firme antiguerra. Pois os animais, verdadeiramente são as testemunhas mais inocentes da vergonha humana que é a guerra.

REFERENCIAS

BIZAWU, Sébastien Kiwonghi; DA SILVA, Pedro Henrique Moreira. Grindadráp: uma análise da caça de baleias-piloto nas ilhas feroe à luz dos direitos humanos e do direito animal. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 14, n. 2, 2019, p. 36.

JUNIOR, Vicente Ataíde de Paula. Direito Animal. Entrevista concedida ao Portal de Notícias 4R, JFPR, em 09/06/2022. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=20013. Acesso em:16.out.2022.

REIS, Émilien Vilas Boas; BIZAWU, Kiwonghi. A encíclica Laudato Si à luz do direito internacional do meio ambiente. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, v. 12, n. 23, 2015, p. 37.

NEVES, Marcia Seabra. (2018). MEMÓRIAS DAS TRINCHEIRAS: OS ANIMAIS NA LITERATURA DA GRANDE GUERRA. Revista Desassossego, 10(19), 39-58. https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v10i19p39-58.

O direito dos animais em tempos de guerra

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Por: Beatriz Queiróz – Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa LICENCIAMENTO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MUDANÇAS CLIMÁTICAS Líder do Grupo: Prof. Dr. Sébastien Kiwhongi Bizawu. contato:camilaqueiroz1205@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-4593-7441.ID lattes.cnpq.br/5847950094107469. In www.domtotal.com

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