Francisco: o Papa que chora

As imagens de Francisco a chorar diante da imagem da Imaculada Conceição, na última quinta-feira (8) rodaram o mundo. A cena, que mostra um pontífice aos prantos, certamente não é algo que a nossa geração viu muitas vezes. E se vimos, a própria liturgia do cargo não permitiu que tal comoção fosse tão evasiva e evidente.

Primeiro, porque a figura do Papa sempre evoca “solenidade” e uma certa “distância, como se por trás daquela batina branca não existisse alguém tão humano quanto nós. Segundo, é certo que o próprio líder da Igreja Católica, seguindo os protocolos próprios da função que exerce, se esforça para assumir essa postura inabalável.

O gesto de Bento XVI, de renunciar ao papado, representou uma revolução no tocante à essa instituição chamada papado. Isso porque, para além da questão de assumir a própria fraqueza física e psicológica diante dos desafios que lhe eram impostos naquele momento, tal atitude representou a abertura a um novo status em relação à figura do Romano Pontífice.

Do soberano do Estado Pontifício, que heroicamente se mantém no governo à revelia de todas as intempéries, ao bispo de Roma que, como qualquer prelado, sabe a hora de parar para que outro assuma a responsabilidade de conduzir essa instituição milenar cujo capital simbólico é, por assim dizer, consolidado.

Aliado a isso, está o facto que, historicamente, principalmente a partir do século XX, por meio da proclamação do dogma da infalibilidade papal (1870), levado adiante por Pio IX, a “áurea devocional” em torno da imagem do líder da Igreja Católica foi recobrada.

Muito embora Francisco consiga abater os muros que separam os fiéis desse modelo que, por ora, está impresso no imaginário coletivo, o seu sucessor, caso resolva seguir a mesma linha, será fundamental nesse processo de transformação. Caberá a ele levar adiante o legado de Francisco. Isso porque, também por causa da idade avançada, o pontífice atual tem consciência que o seu projeto de reforma é só um “instrumentumlabori” de algo que só poderá ser realizado a longo prazo.

E é por isso que essa reflexão ampla sobre a sinodalidade, proposta pelo papa argentino, é a ponta de lança desse processo. E digo mais: é o meio mais eficaz para que o diálogo com as demais confissões cristãs aconteça para além dos cânones teológicos.

Um dos grandes entraves que impedem uma aproximação mais efetiva com o Oriente é a questão do primado papal. O cisma do Oriente (1054), no meio das mais variadas questões políticas e teológicas que o motivaram, foi uma resposta à política papal de centralização do poder por parte de Roma.

Ao que tudo indica, Francisco não pensa em discutir a questão nem em renunciar à mesma, uma vez que a concepção de ministério petrino, por parte da Igreja Católica, continua sendo um dos pilares de uma tradição que transformou a instituição naquilo que ela é hoje.

Mas essa “gente como a gente” de Francisco causa um impacto maior que a sua própria reforma. E ele sabe disso.

Isso não quer dizer que ele se revista de uma personagem para atrair a atenção do mundo. Mas é um modo de demonstrar que a Igreja Católica ainda pode ser um refúgio, uma “casa” para uma sociedade em busca de referências sobre as quais se apoiar.

O Papa não chora só pelos ucranianos, mas também diante da impotência perante o mal. “Estamos no mesmo barco”, disse ele no auge da pandemia, em 2020. E a melhor forma de demonstrar isso é reconhecendo a sua fraqueza, e gerando identificação com quem luta para vencer os dragões da perversidade e da injustiça.

__

MM